Uma manifestação promovida pelas associações Act Up-Paris e Tjenbé Rèd , no dia 28 de julho, na praça do Trocadéro, em Paris, me chamou a atenção. Eram duas as causas que moviam um inconformado grupo de homossexuais, que atraíam a atenção do público presente no local: a primeira delas, uma reação ao enforcamento, no Irã, de homens acusados de sodomia e de comportamentos julgados imorais pela justiça iraniana. Em segundo lugar, tentavam interferir numa negociação entre as autoridades francesas e a embaixada do Iran, a respeito da expulsão de um jovem iraniano de 21 anos, que havia deixado seu país em função de sua orientação sexual. Enquanto ainda reflito sobre as imagens que vi, acompanho, no Brasil (via internet), os debates em torno de um tema que guarda uma certa correlação com a iniciativa da Act-Up Paris: o projeto de lei sobre a homofobia, que tramita no Congresso brasileiro.
Legislação e criminalidade
De fato, por trás da iniciativa dos manifestantes parisienses havia um conjunto de informações acumuladas que tem se transformado não apenas em preocupação constante para o grupo, mas em fator que fundamenta e coordena suas ações: um recrudescimento da violência contra os homossexuais.
O próprio secretário adjunto do movimento SOS Homofobia, Jacques Luzé, em entrevista à rede TF1 de televisão, ainda em maio de 2006, denunciava uma onda de graves agressões que, de acordo com ele, conduziram, nalguns casos, à própria morte das vítimas. Acusando o que chamou de “forte degradação do clima social”, informou que nos últimos seis anos o número de agressões se multiplicaram por seis, passando de 23 casos em 2000, para 133 em 2005. Isso sem considerar as agressões que não são denunciadas publicamente e que, portanto, permanecem fora de sua contabilidade. Vale a pena lembrar sua análise e descrição pessoal a respeito da situação : “Antes, quando um homo era insultado na rua, lhe diziam 'gay sujo'. Mas, agora, dizem 'eu vou te queimar' ”. Queimar vivo, evidentemente.
Aparentemente, esta degradação do tratamento dedicado aos homossexuais franceses pode aparentar descaso ou desinteresse por parte do governo. O que não é verdade. De fato, desde 2002 um conjunto de leis vem sendo implementadas e praticadas e, além disso, incrementadas em 2003 e 2004, reforçando até mesmo o Código Penal francês, tendo sido introduzido mecanismos agravantes no julgamento de crimes cometidos em razão da orientação sexual das vítimas.
Esta descrição rápida do cenário francês, pode nos conduzir a uma simples, mas contundente conclusão: apesar da aprovação e aplicação de uma legislação que visa conter a criminalidade contra uma minoria social composta por lésbicas, gays, bissexuais e transexuais, pode-se constatar que a violência contra eles sofreu um aumento significativo.
Ora, mesmo considerando as diferenças culturais, políticas, sociais, ecônomicas e até mesmo jurídicas entre os dois países, a experiência francesa aponta, de antemão, para uma aparente inexperiência tanto dos legisladores brasileiros, como dos líderes da ABGLT. Na ansiedade em cópiar e reproduzir modelos legislativos europeus e norte-americanos, esquecem-se de analisar o funcionamento e as consequências destas mesmas leis em seus países de origem.
Além disso, as justificativas do PL 5003/2001, do PLC 122/2006, do PL 6418/2005 e seu substitutivo, bem como os argumentos dos grupos favoráveis à ABGLT, se baseiam na existência, na quantidade e na impunidade de crimes praticados contra esta população, como se uma nova legislação pudesse, por si só, contê-los e fosse suficiente para resolver e por fim à injustiça que denunciam.
Contudo, para além das questões já habilmente colocadas e divulgadas por legisladores e comentaristas brasileiros (notadamente os evangélicos – primeiros a alertar sobre a gravidade da situação), esta ação política em curso no Congresso brasileiro, parece denunciar a prática de um Estado que pretende implementar, sem medir as consequências correlatas, acões inócuas e desprovidas de resultados práticos.
Fábrica de leis numa sociedade por quotas
No Brasil, considerando as indicações de inconstitucionalidade, ilegitimidade e mesmo sendo analisado como iniciativa heterofóbica, as críticas ao projeto de lei contra a homofobia estão centralizadas no prejuízo que a lei pode trazer a uma conquista histórica da sociedade brasileira: a liberdade de expressão.
Assim, por mais que simpatizantes e legisladores argumentem contra esta interpretação, ela permanece nas entrelinhas do texto e intimamente ligada à liberdade e ao direito de pensar.
O que torna a situação bastante delicada, pois extender a noção de crime ou delito à expressão de pensamentos, idéias e opiniões, sejam pessoais ou coletivos, nos introduz num regime político comparável ao facismo, cujas características induzem os cidadãos a dizer sempre o oposto daquilo que pensam, se aquilo que pensam é contrário à “verdade oficial”. A possibilidade de criminalizar o próprio pensamento e sua expressão é absolutamente incompatível com o direito democrático que fundamenta as ações políticas do Estado e da sociedade brasileiros.
Sob a influência de uma estratégia que denuncia a visão de uma sociedade compartimentada, as ações do governo são direcionadas como respostas às pressões colocadas por grupos que alcançam projeção e visibilidade através da mídia, dos meios de comunicação que constróem uma realidade, em grande parte virtual, que passa a ditar normas de comportamento, inclusive para os próprios grupos e partidos políticos que dividem entre si o poder de controlar e legislar sobre a vida dos cidadãos comuns.
Por outro lado, ante uma sociedade transformada em grupos sociais midiatizados, eleitos como vítimas de uma opressão social estrategicamente construída pela mídia, na urgência de demonstrar sua capacidade de reação, o governo passa a fabricar leis sob encomenda, de acordo com o ritmo das pressões que sofre.
Tais iniciativas, provenientes de um protocolo de intenções ideológicas dos partidos governistas (normalmente impregnados por uma tendência de esquerda, já um pouco desbotada pelo tempo), investem seus esforços nas minorias que se batem contra a discriminação, imaginando ter o aval da maioria silenciosa.
E é exatamente esta situação que permite identificar nossos legisladores como autores de uma espécie de tirania das minorias (neste caso específico, de uma minoria de GLBT), notadamente quando amplos segmentos que representam os interesses majoritários da sociedade se mobilizam contra ações que podem comprometer autonomias e direitos considerados irrevogáveis.
Esta sociedade por cotas, espécie de grupismo, estimulado pelo governo, por sua ineficácia e ausência de resultados práticos, pode produzir efeitos circulares absolutamente improdutivos: se todas as minorias têm direitos que só podem ser garantidos por uma legislação específica, não resta outra opção senão a reivindicação de seus direitos por parte de cada uma delas, e não apenas como minoria imaginária no contexto de uma sociedade complexa, mas como único caminho para continuar existindo de forma autêntica, numa batalha virtual interminável.
Respeitando as diferenças
Felizmente, sabemos que este não é o caminho ideal para o Brasil.
Podemos ser vanguarda sem a obrigação de adotarmos fórmulas prontas, impostas de fora para dentro, importadas. Podemos ser vanguarda, guardando os preceitos fundamentais dos direitos humanos e as liberdades conquistadas pelos avanços da sociedade ocidental cristã. Podemos ser vanguarda, aprendendo com a história, respeitando as diferenças e reorientando as estratégias através de adaptações indispensáveis e condizentes com as peculiaridades e características de nossa própria nação.
Neste momento, mais do que nunca, é preciso ser autêntico.
Se os projetos de lei contra a homofobia representam uma face ou um segmento radical e autoritário do partido governista, o governo que a sociedade brasileira elegeu é, certamente, mais consistente, democrático e responsável.
Para prová-lo bastar ouvir a sociedade, perceber a maioria e alterar o texto das propostas que circulam pelos corredores da Câmara e do Senado, antes que tomem a forma definitiva de lei.
Mesmo porque, no formato atual, a lei vai conceder à comunidade GLBT mais do que eles mesmos esperam: se o que pretendem é coibir manifestações que incitem a violência, garantindo seus direitos como pessoas e cidadãos comuns, não há necessidade de impor condições e penalidades que comprometam a liberdade de expressão de outros grupos, mesmo que seu modo de vida seja interpretado como pecado por parte, por exemplo, da comunidade cristã e evangélica. Pois, certamente, as representações construídas a respeito das pessoas que defendem os valores presentes na Palavra de Deus (puritanos ou conservadores) não vão ser excluídas nem do discurso, nem, muito menos, do universo mental daqueles que compõem a comunidade homossexual brasileira.
Por Fernando Lobo
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